Era bonito, inteligente, aparentemente maduro. Não pude deixar de notar o sorriso bonito, a bela calça jeans e o objeto que jogou pra longe a nuvem de planos que eu estava fazendo. Ali estava, grande, boleada, reluzente e chamando a atenção para o dedo anelar da mão esquerda, onde estava imponentemente encaixada. Casado. Casado não, com aquela aliança estava mais para casadérrimo.
Tentei nem dar muito papo, mas sentado ali do meu lado, transbordando conhecimento, exalando beleza, não pude resistir. Conversamos muito mesmo. Começamos com algo banal, tipo os problemas da saúde pública do país e daí não paramos mais. Tínhamos muitas coisas em comum, descobri que além de todas as qualidades que pude notar somente com a visão, também era divertido, honesto, super simpático. "Ei, ele é casado" tive que ficar repetindo para mim mesma. Oh, por que, céus? Vinte e oito anos, quatro relacionamentos desastrosos, ainda debaixo do teto dos meus pais, um livro que nunca terminei, uma vida toda pela metade. Por que quando um cara bacana como esse aparece ele tem que ser casado? Alguma coisa eu devo ter feito para a vida ser tão cruel comigo.
Me despedi dele naquela tarde, quase noite de terça feira, quando saímos daquela sala de espera onde passamos quase o dia todo esperando uma consulta. Achei que nunca mais o veria. Também, qual seria a probabilidade de tornar a encontrá-lo? Fui embora meio chateada porque né, ele bem que poderia ser solteiro. "Está tão difícil arrumar homem descente hoje em dia", a frase que minha mãe sempre me falava nunca ecoou tão alto na minha cabeça. A essa altura eu já estava achando meio que impossível encontrar esse alguém para me completar. Eu ficava imaginando como seria minha vida ao lado de alguém, quem sabe me casar, viajar, não ser mais tão sozinha, não trabalhar tanto, começar a realizar meus sonhos, ter uma casa, filhos... Quando será que as coisas iriam começar a mudar?
O resto da semana passou correndo, milhares de assuntos para resolver, milhões de coisas para fazer, trilhões de coisas na cabeça, mas o rapaz da sala de espera estava lá, no meio da minha agenda mental, ocupando um lugarzinho, aquela terça feira do meu calendário. Cheguei até a sonhar com ele, algo que nem lembro, mas acordei me sentindo muito babaca.
Quinta feira da outra semana fui buscar o resultado do meu exame. Lá estava ele, sentado, fitando a televisão, tipo quando a gente olha sem ver. Fui até a recepção meio que fazendo um pouco de pose, fingi que não o vi pra não ter que dar aquele "oi" e parecer desesperada. Quando terminei de falar com a secretária ela me mandou aguardar, lógico. Tive o cuidado de passar os olhos pela sala como se procurasse um lugar vago, mas eu sabia exatamente que havia um ali, bem ao lado dele. Tentei parecer o menos teatral possível nessa minha busca por um lugar quando na verdade eu já sabia onde eu iria sentar. Graças aos céus ele bateu os olhos em mim antes que eu terminasse minha pequena cena.
-Valentina!
-Ei, Theodor. - Cruzei o espaço da recepção até a cadeira e me sentei.
-Mas que coincidência. - Ele abriu um sorriso.
-Nossa, é verdade. E aí, veio buscar o resultado do exame?
-Sim, você também né?
E aí começamos a conversar. Mas dessa vez foi diferente, ele estava meio abatido
quando avistei justamente ao lado do lugar que eu tinha escolhido para me sentar. Estava me sentindo uma adolescente. Graças a Deus ele que me "viu primeiro"
Eu sempre fiquei me martirizando com isso. Essa mania, quase doença de achar que "vai mudar, um dia vai mudar". O QUE VAI MUDAR? Eu vou mudar? Você vai mudar? O mundo vai mudar? Eu desejo com todas as minhas células, inflamo de vontade de fazer isso passar, mas cada dia que passa, não parece "menos um dia que se foi" e sim "mais um dia desse jeito". Preso nesse mundo que você e eu criamos, detalhamos, reinventamos todos os dias até que você resolve largar minha mão e abandonar o sonho.