sábado, 28 de fevereiro de 2015

A gente é feito pra acabar.

Eu tenho esses diálogos prontos em minha cabeça. Na sua vez de argumentar, você me diz que há muita história envolvida. Na minha vez eu digo que não ligo mais. Você diz que ligo sim e tenta pegar minha mão. Querido, a essa altura você deveria saber que não está mais autorizado a tocar minha mão. Eu a puxo de volta e digo que ligo, mas não quero mais. Não poder tocar minha mão te machuca e eu posso ver isso na expressão que transparece em suas sobrancelhas. Que bom, é pra machucar. Eu quero que machuque ao ponto de te fazer sofrer. Depois de dizer mil vezes que estou cansada desse vai e vem, você finalmente se dá por vencido e atravessa a soleira da porta e olha pra trás na saída. Acho que vi uma lágrima caindo, mas eu também estou com lágrimas nos olhos.
Daí eu abro os olhos e vejo que estou na poltrona da sala. Sozinha. Você não esteve aqui. Eu não disse que não quero mais. Você não derramou lágrima alguma. Eu que derramo uma agora. 
Fico de pé, seco a lágrima fervente que escorre pela minha bochecha. Eu não quero saber da história envolvida. Não quero mais saber das conversas que tivemos. É melhor você nem vir. Será que vem? Melhor não. Melhor que fique com o passado que sempre te puxa e jamais vai deixar de te puxar pelo pé. Fique. Vá. Não venha. Tanto faz. Tá decidido: não dou mais nenhum passo a frente com você. Até porque você não dá passos a frente, você tá sempre atrás, com essa âncora, essa incerteza, essa agonia. Meu bem, eu não puxo quem não quer seguir. E eu tô cansada de esticar minha mão na tentativa de te alcançar e trazer pra perto de mim. 
Vou te largar, mas tenho medo que me solte. Será que solta? Será que já soltou? Saio de casa, com essa roupa de ontem, deixo o celular, a carteira, as chaves, nem tranco a porta. Pego o carro e encosto a cabeça no volante. Vou para a casa da minha mãe. Não, vou pra casa da minha vó. Não, vou ver o mar. Não, vou parar numa confeitaria, comprar uns donuts e fazer a Natalie Portman em  No Strings Attached. Bato à sua porta.

- Estive pensando em você. Nossa conexão nunca falha. - Ele sorri.
- Não estive pensando em você. Na verdade eu estava indo alugar um trampolim. - Falei apontando pra lugar nenhum da rua, tentando evitar aqueles olhos.
- Alugar um trampolim? - Soube na hora que ele me lançava aquele olhar que me mata por inteiro.
- É, deu vontade de pular. - Olhei pro chão.
- Eu não tenho um trampolim para você alugar. Só um colchão velho no quintal e nem tá pra aluguel, pode pular de graça.
- Ótimo, porque esqueci minha carteira.

 Entrei  e segui pelo corredor sem parar, com medo de encarar aquele olhar.

- Ei, quer alguma coisa pra beber? Não quer se sentar? Talvez olhar pra mim? - Ele falou a última frase baixinho, mas pude ouvir.
- Sua mãe finalmente trocou o colchão é? - Falei tentando me esquivar do elefante na sala que era o fato de eu estar ali naquele estado.
- Hã, é. Já não era sem tempo. - Falou enquanto abaixava o colchão no chão do quintal. - Vá em frente, pule.

Finalmente respirei e encarei aqueles olhos. Percebi umas leves olheiras e aquelas pupilas profundas me encarando de volta. Havia ali qualquer coisa dolorida, como noites em claro ou manhãs desperdiçadas, talvez almoços solitários e tardes monótonas ou uma caixa de mensagens vazia por um tempo que ambos julgamos ser longo demais.Comecei a pular. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, coloquei mais força nas panturrilhas, sete, oito, nove, soluço. Eu chorava sem controle em meio aos pulos, mergulhada naquela insanidade que era estar chorando enquanto pulava naquele colchão velho de molas gastas. Senti aqueles braços me envolvendo pelas minhas costas e prendendo meus braços, me impedindo de tirar os pés do chão para pular de novo. Seu nariz estava em meu pescoço, respirando forte, talvez tentando segurar um choro que não veio durante todo esse tempo. 

- Por que você tem que fazer isso? Por que tem que me torturar? Você sabe em tudo o que pensei nesse tempo? O desespero que me vi ao pensar no fim? - Ele falava ao meu pescoço, enquanto seus braços me apertavam ainda mais forte.
- Eu não te torturo, Conrado.

Ele me virou, agora segurando meus braços com as mãos, me forçando a encará-lo.

- Não me tortura? A gente conversa sobre um problema, você quer um tempo, sai batendo a porta da minha casa, some por dias por Deus sabe onde, não me liga, não me responde e depois de meses aparece aqui pulando no antigo colchão da minha mãe. Se isso não é tortura, eu não sei o que é, Laura. 
- Eu amo você e não sei o que fazer com isso. Isso é tortura. Eu que sou torturada todos os dias porque não consigo deixar pra trás, não sei simplesmente andar tendo esse peso em meus ombros.
- Se você me ama, então me ame! - Ele gritou enquanto me sacudia. - ME AME, LAURA. ME AME. Para de sabotar isso, para de se afogar em três centímetros d'água. 
- Eu não sei como, Conrado. Eu não sei... Eu vim aqui pra te dizer que não ligo mais para toda aquela história envolvida. 
- Se não liga, então não ligue, é só história. Eu tô me esforçando pra desatar esses nós que me prendem àquele passado, eu não o quero mais, mas eu preciso que você esteja aqui. Eu não sei fazer isso sozinho, mas você me larga pelo meio e...
- Eu ligo. E ligo demais. E eu tenho essa aflição, de que somos feitos pra acabar. Não sei mandar isso embora.
- Não somos se você não quiser. - Ele solta meus braços e me abraça.
- Eu não quero. - Fungo em seu peito.
- Pensei que você tinha vindo para alugar um trampolim. - Sinto que ele solta um leve sorriso em meio aos meus cabelos.

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