quinta-feira, 23 de abril de 2015

Pode não parecer, mas é sobre mim.

7,2 bilhões de pessoas. 7,2 bilhões de mentes. 7,2 bilhões de corações. Zilhões de sentimentos. Alguns deles tão desconhecidos do homem quanto a extensão do cosmos. Alguns tão desafiadores quanto a teoria das cordas.  Contudo, a probabilidade é clara: quanto maior o grupo, mais chances de encontrar alguém com o mesmo sentimento; mas num grupo de 7,2 bilhões de pessoas espalhadas numa superfície de 510.072.000 km² de área, a probabilidade mais desanima do que ajuda.
Mas eu nunca fui muito de probabilidades. Sou mais sentar, analisar e acertar. Ou errar. Daí aprendo, sento e analiso melhor. Eu não acredito em destino. Não acredito em sua capacidade de mexer com a vida de ninguém. Não acredito em acaso. Acredito que pessoas nascem e morrem todos os dias e a vida de cada um segue de acordo com as escolhas que fazem. As pessoas se unem porque encontram afinidade, porque têm interesses, porque a ideia de ficar só perturba. E isso me agonia às vezes. Pensar que o ser humano cresce pra ter que lidar com tudo isso. Na verdade a essência valorativa de se tornar ~crescido~ é fazer boas escolhas.
Pessoas tendem a dizer "Que bom homem ele se tornou!". Certamente porque a maioria das suas escolhas foram boas. Escolheu estudar, escolheu ficar perto da família, escolheu ajudar numa ONG "SOS formigas de jardim", escolheu uma mulher para se casar que possivelmente também só fez boas escolhas, escolheu ter filhos. Mas somente cada ser humano sabe o que passa para fazer tais escolhas. É individual o sofrimento, o suor, a garra, os conflitos que, no fim das contas, quase ninguém dá bola.
Por mais que eu acredite no poder das escolhas, a sorte nos assalta e nela eu sou obrigada a acreditar. Ela chega de mansinho e bate à porta. Ela se convida a entrar e, uma vez dentro, faz sua mágica. E daí suas escolhas se tornam fáceis. E sofrimento parece não te assolar. E a garra surge como se fosse um dom divino. E os 7,2 bilhões de pessoas parecem nada mais que alguns convidados para uma festa em seu quintal. E os 510.072.000 km² de superfície terrestre parecem poucos para a sua vontade de explorar porque aquela mera probabilidade foi colocada ao seu lado pela sorte. E essa probabilidade, esse grau de segurança para esperar a realização de algo, de repente, se torna uma certeza. E aí você se dá conta que é especial. A sorte é aquela bênção que vem dos céus.
Eu não acredito em acaso, nem que as coisas acontecem por acontecer. Acredito que a sorte tem endereço certo, assim como hora e assunto a tratar. Por mais que isso soe desconexo ou paradoxal, eu sempre deixo a porta aberta.


sábado, 28 de fevereiro de 2015

Carta para meu eu de amanhã

Ei, ontem foi um dia esquisito, não é mesmo? Aquela sensação de que nada ficaria bem, que o mundo é uma droga e a vida é uma piada sem graça sobre você. Eu sei das mil vezes que se enfiou debaixo do chuveiro na esperança de que a água gelada fizesse descer pelo ralo esse peso nas costas. Easy, girl.
Eu não sei bem o que se passa em sua cabeça para ter essas quedas repentinas. Você é ótima. Tem uma família ótima. Há dois anos foi aprovada numa ótima universidade. Estuda o que gosta. Não consegue planejar uma recepção íntima para poucos amigos porque tem amigos demais e isso é ótimo. Você tem que se esforçar mais para se concentrar em tudo o que há de ótimo em sua vida e esquecer o que te aflige. Tudo o que te aflige está totalmente fora da sua capacidade de fazer dar certo. Você não sabe lidar com situações que não estão sob seu controle, mas tem que aprender. E se não der certo? Supere. É o que adultos fazem. Ou deveriam fazer. Decida se quer entrar na batalha e então lute, lute pra vencer. Caso não queira, tudo bem, mas LET IT GO. 
Coloquei o celular para despertar às sete, tente não se irritar demais, você tem compromisso. Não consegui decidir uma roupa para usar, então procure fazer isso rápido assim que acordar. Banho gelado, café da manhã, escovar os dentes. Ei, lembre-se de não usar nem máscara para cílios, você será modelo da tia Nádia, tá lembrada? 
Fique bem, porque o seu eu de ontem desejava com todas as forças que ao amanhecer você estivesse bem. Coloca um sorriso nesse rosto e nem pense em olhar pra trás. Pra que relembrar um dia ruim? Nesse momento eu daria o mundo para estar onde você está agora. Então aproveite o dia, aprenda algumas coisas novas, tire umas fotos, escreva sobre no 1 Página de Cada Vez. Depois encerre o dia e se orgulhe dele. E prometa para mim que vai ser sempre assim. 

A gente é feito pra acabar.

Eu tenho esses diálogos prontos em minha cabeça. Na sua vez de argumentar, você me diz que há muita história envolvida. Na minha vez eu digo que não ligo mais. Você diz que ligo sim e tenta pegar minha mão. Querido, a essa altura você deveria saber que não está mais autorizado a tocar minha mão. Eu a puxo de volta e digo que ligo, mas não quero mais. Não poder tocar minha mão te machuca e eu posso ver isso na expressão que transparece em suas sobrancelhas. Que bom, é pra machucar. Eu quero que machuque ao ponto de te fazer sofrer. Depois de dizer mil vezes que estou cansada desse vai e vem, você finalmente se dá por vencido e atravessa a soleira da porta e olha pra trás na saída. Acho que vi uma lágrima caindo, mas eu também estou com lágrimas nos olhos.
Daí eu abro os olhos e vejo que estou na poltrona da sala. Sozinha. Você não esteve aqui. Eu não disse que não quero mais. Você não derramou lágrima alguma. Eu que derramo uma agora. 
Fico de pé, seco a lágrima fervente que escorre pela minha bochecha. Eu não quero saber da história envolvida. Não quero mais saber das conversas que tivemos. É melhor você nem vir. Será que vem? Melhor não. Melhor que fique com o passado que sempre te puxa e jamais vai deixar de te puxar pelo pé. Fique. Vá. Não venha. Tanto faz. Tá decidido: não dou mais nenhum passo a frente com você. Até porque você não dá passos a frente, você tá sempre atrás, com essa âncora, essa incerteza, essa agonia. Meu bem, eu não puxo quem não quer seguir. E eu tô cansada de esticar minha mão na tentativa de te alcançar e trazer pra perto de mim. 
Vou te largar, mas tenho medo que me solte. Será que solta? Será que já soltou? Saio de casa, com essa roupa de ontem, deixo o celular, a carteira, as chaves, nem tranco a porta. Pego o carro e encosto a cabeça no volante. Vou para a casa da minha mãe. Não, vou pra casa da minha vó. Não, vou ver o mar. Não, vou parar numa confeitaria, comprar uns donuts e fazer a Natalie Portman em  No Strings Attached. Bato à sua porta.

- Estive pensando em você. Nossa conexão nunca falha. - Ele sorri.
- Não estive pensando em você. Na verdade eu estava indo alugar um trampolim. - Falei apontando pra lugar nenhum da rua, tentando evitar aqueles olhos.
- Alugar um trampolim? - Soube na hora que ele me lançava aquele olhar que me mata por inteiro.
- É, deu vontade de pular. - Olhei pro chão.
- Eu não tenho um trampolim para você alugar. Só um colchão velho no quintal e nem tá pra aluguel, pode pular de graça.
- Ótimo, porque esqueci minha carteira.

 Entrei  e segui pelo corredor sem parar, com medo de encarar aquele olhar.

- Ei, quer alguma coisa pra beber? Não quer se sentar? Talvez olhar pra mim? - Ele falou a última frase baixinho, mas pude ouvir.
- Sua mãe finalmente trocou o colchão é? - Falei tentando me esquivar do elefante na sala que era o fato de eu estar ali naquele estado.
- Hã, é. Já não era sem tempo. - Falou enquanto abaixava o colchão no chão do quintal. - Vá em frente, pule.

Finalmente respirei e encarei aqueles olhos. Percebi umas leves olheiras e aquelas pupilas profundas me encarando de volta. Havia ali qualquer coisa dolorida, como noites em claro ou manhãs desperdiçadas, talvez almoços solitários e tardes monótonas ou uma caixa de mensagens vazia por um tempo que ambos julgamos ser longo demais.Comecei a pular. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, coloquei mais força nas panturrilhas, sete, oito, nove, soluço. Eu chorava sem controle em meio aos pulos, mergulhada naquela insanidade que era estar chorando enquanto pulava naquele colchão velho de molas gastas. Senti aqueles braços me envolvendo pelas minhas costas e prendendo meus braços, me impedindo de tirar os pés do chão para pular de novo. Seu nariz estava em meu pescoço, respirando forte, talvez tentando segurar um choro que não veio durante todo esse tempo. 

- Por que você tem que fazer isso? Por que tem que me torturar? Você sabe em tudo o que pensei nesse tempo? O desespero que me vi ao pensar no fim? - Ele falava ao meu pescoço, enquanto seus braços me apertavam ainda mais forte.
- Eu não te torturo, Conrado.

Ele me virou, agora segurando meus braços com as mãos, me forçando a encará-lo.

- Não me tortura? A gente conversa sobre um problema, você quer um tempo, sai batendo a porta da minha casa, some por dias por Deus sabe onde, não me liga, não me responde e depois de meses aparece aqui pulando no antigo colchão da minha mãe. Se isso não é tortura, eu não sei o que é, Laura. 
- Eu amo você e não sei o que fazer com isso. Isso é tortura. Eu que sou torturada todos os dias porque não consigo deixar pra trás, não sei simplesmente andar tendo esse peso em meus ombros.
- Se você me ama, então me ame! - Ele gritou enquanto me sacudia. - ME AME, LAURA. ME AME. Para de sabotar isso, para de se afogar em três centímetros d'água. 
- Eu não sei como, Conrado. Eu não sei... Eu vim aqui pra te dizer que não ligo mais para toda aquela história envolvida. 
- Se não liga, então não ligue, é só história. Eu tô me esforçando pra desatar esses nós que me prendem àquele passado, eu não o quero mais, mas eu preciso que você esteja aqui. Eu não sei fazer isso sozinho, mas você me larga pelo meio e...
- Eu ligo. E ligo demais. E eu tenho essa aflição, de que somos feitos pra acabar. Não sei mandar isso embora.
- Não somos se você não quiser. - Ele solta meus braços e me abraça.
- Eu não quero. - Fungo em seu peito.
- Pensei que você tinha vindo para alugar um trampolim. - Sinto que ele solta um leve sorriso em meio aos meus cabelos.